Pra que serve o Díodo?

No artigo sobre como se acende um LED acabei implicitamente por falar de díodos. Disse que o LED tem um ánodo e um cátodo, que causa uma queda de tensão de um certo valor, que é polarizado e mostrei o seu símbolo elétrico. Tudo isto se aplica a um díodo comum, com pequenas variações: a queda de tensão provocada por um díodo comum é de aproximadamente 0.7 V, e o símbolo é muito parecido com o do LED, só não tendo as 2 “ondinhas” (que representam a luz a sair do LED). No símbolo mais comum do LED, estas ondinhas são apenas setas retas, e tem uma bola em redor. Figura 1 - Símbolos

Para entender melhor como se comporta um díodo sem que tenhas que ser “barra” em Física , vamos arranjar um modelo que o descreva, citando suas principais caracteristicas:

- Só conduz corrente eléctrica num sentido, do ánodo para o cátodo.
- Só começa a conduzir corrente quando a tensão aplicada é igual ou superior a 0.7 V.
- Quando conduz corrente, causa uma queda (redução) de tensão de 0.7 V.

01) Só conduz corrente eléctrica num sentido, do ánodo para o cátodo.

A melhor forma de perceber é utilizar um LED como exemplo. A figura abaixo mostra 2 versões de um circuito. A versão à esquerda é a habitual, que usamos para acender o LED; a corrente, o vermelho tracejado, circula do ponto positivo da fonte para o negativo, e o LED deixa passar essa corrente, acendendo. No circuito à direita, o LED está ligado “ao contrário”, e desta forma impede a corrente de circular; o LED mantém-se apagado. Portanto o LED só deixa passar a corrente elétrica num sentido, do ánodo para o cátodo tal como acontece no circuito da esquerda: a corrente entra pelo ánodo e sai pelo cátodo! Repare como o símbolo do próprio díodo é uma seta que aponta no sentido em que deixa passar a corrente.

Figura 2 - O díodo só conduz corrente numa direcção


Muitas vezes é feita uma comparação da corrente elétrica a circular num circuito com a água a circular em canos. É possível ter num cano de água um dispositivo semelhante a um díodo:
Figura 3 - Um "Díodo para água"


As 2 portas abrem-se facilmente empurradas pela força da água, deixando-a passar, desde que a água circule da direita para a esquerda (por exemplo empurrada por uma bomba de água). Se ela vier da esquerda, então vai empurrar as portas de tal modo que estas fecham-se, impedindo a água de continuar a fluir para a direita. Um díodo faz a mesma coisa. Outras analogias são as veias do nosso corpo, que têm válvulas que deixam passar o sangue apenas num sentido. São ambos exemplos de “díodos”, em outros domínios.

02) Só começa a conduzir corrente quando a tensão aplicada é igual ou superior a 0.7 V.

Esta característica é bastante auto-explicativa. Se a tensão da fonte que fornece energia ao circuito for inferior 0.7 V, o díodo não se deixa atravessar por corrente. Ele apresenta-se como um circuito aberto, tal como se tivessemos ligado o díodo ao contrário. Digamos que 0.7 V é a tensão mínima para que o díodo comece a funcionar. E isto leva-nos à última característica:


03) Quando conduz corrente, causa uma queda (redução) de tensão de 0.7 V. Se voltarmos à analogia com a água e à figura do canal de água mais acima, podemos pensar que alguma da força da corrente da água é gasta a abrir e manter as portas abertas. Podemos pensar na força da água como sendo a tensão (força eletromotriz), e assim a analogia completa-se. Se formos medir a tensão nos pinos de um díodo quando este está a conduzir corrente, vamor medir aproximadamente os 0.7 V, tal com nos circuitos com LEDs (mas neste caso a tensão depende da cor do LED).

Ok… então se os LEDs dão luz, o díodo comum faz o quê?

Bom, os díodos começaram por ser utilizados como componentes retificadores. Muito informalmente, retificar é transformar um sinal AC num sinal DC. Num sinal AC a tensão varia entre valores negativos e valores positivos, e a sua aplicação a um díodo elimina uma metade do sinal, a metade positiva ou a metade negativa dependendo da forma como o díodo é ligado. No circuito abaixo temos uma fonte de tensão de 5 V AC, que é retificada por um díodo que lhe remove a metade negativa do sinal, ficando uma tensão DC. O gráfico mostra o valor da tensão no ponto AC (a verde) e no ponto DC (a azul).




Figura 4 - Díodo como componente retificador


Deve ter reparado na diferença de amplitude entre as 2 tensões… consegues adivinhar a que se deve? Sim? Não? E se eu te disser que essa diferença é de 0.7 V, ajuda ? Pois é, é preciso não esquecer que o díodo causa uma queda de tensão de 0.7 V. A retificação é usada por exemplo em receptores de rádio e fontes de conversão AC-DC (como um carregador típico de bateria de celular, que converte os 220 V AC da rede em 4 ou 5 V DC).

Humm… e é só para isso que o díodo serve? Não, na verdade, as utilizações do díodo estão apenas limitadas pela nossa imaginação! Mas exemplos típicos de utilização são: conversores DC-DC comutados, como referências de tensão baratas, como redutores de tensão, e para impedir que a ligação acidental de fontes de tensão “ao contrário” causem danos em equipamentos, entre outros. Em tempos também foram usados em electrónica digital, como portas digitais e na construção de memórias ROM. Acho que vale a pena falar um pouquinho mais acerca de algumas das utilizações típicas.

Imagina que tens um aparelho que é muito sensível e caro (por exemplo um auxiliar de audição), e portanto queres protegê-lo de vários tipos de acidente. Um dos acidentes que pode acontecer é o utilizador do aparelho colocar as pilhas ao contrário por distração ou porque não leu o manual como deve ser. Uma forma de efetuar essa proteção é exatamente colocar um díodo em série com a fonte de alimentação (as pilhas).



Figura 5 - Protecção contra inversão de tensão de alimentação

Como o díodo só conduz corrente eléctrica num sentido, se as pilhas forem colocadas ao contrário o díodo “barra” a passagem da corrente e não acontece nenhuma desgraça ao pobre aparelho.

Nesta aplicação aproveitamos a característica nº 1 do díodo.

Com a 2ª característica do díodo podes fazer um circuito que verifica se um par de pilhas alcalinas de 1.5 V ainda tem carga suficiente, acendendo um LED em caso afirmativo:



Figura 6 - Detector de pilhas gastas


Uma pilha alcalina vulgar está completamente gasta se apresentar 1.1 V de tensão; vamos então arbitrariamente assumir para o nosso exemplo que se ainda medimos 1.25 V a pilha está boa. Neste caso, um par de pilhas alcalinas ainda tem bastante carga se der 1.25 V + 1.25 V = 2.5 V em utilização. Uma vez que o díodo comum só conduz corrente a partir de 0.7 V, e o LED vermelho só a partir de aproximadamente 1.8 V, temos que o díodo mais o LED resultam numa queda de tensão de 0.7 + 1.8 = 2.5 V. Logo, são precisos 2.5 V ou mais para que circule corrente no circuito e o LED acenda. Como precisamos de calcular uma resistência para limitar a corrente no LED, vamos usar o valor de tensão de um par de pilhas completamente novas: 3 V. Portanto, aos 3 V a corrente no LED não pode ser mais do que 0.02 A, que é a corrente máxima num LED vermelho. Calculamos então a resistência usando a Lei de Ohm:

(3 V - 2.5 V) / 0.02 A = 25 Ω (podemos usar o valor comercial 33 Ω).

Agora imagina que tens um circuito que tem que ser alimentado por 2 tensões diferentes; uma é um valor qualquer de 4.5 V a 5.5 V e a outra é de 3.1 V a 3.4 V. Imagina também que só tens 6 V, tirados de 4 pilhas de 1.5 V ligadas em série. Uma forma de obter as tensões desejadas é pegar nos 6 V do conjunto das pilhas e aproveitar a 3ª característica do modelo de funcionamento do díodo para obter as tensões menores, como na figura.



Figura 7 - Conversor simples de 2 tensões

O 1º díodo subtrai 0.7 V e portanto ficamos com 6 - 0.7 = 5.3 V, que está dentro do intervalo desejado de 4.5 V a 5.5 V. Depois adicionámos mais 3 díodos em série para reduzir ainda mais a tensão, ficando então com 6 - 0.7 - 3 x 0.7 = 3.2 V, que cumpre o requisito de termos um valor no intervalo 3.1 V a 3.4 V. Aqui usámos a característica que o díodo tem de reduzir a tensão em 0.7 V, para obter tensões diferentes da que tínhamos disponível.


Existem outros tipos de Díodo. Alguns dos mais conhecidos são o díodo Zener, o Varicap, o Fotodíodo e o Schottky.


Figura 8 - Outros tipos de díodo

O Zener é um díodo especial que em certas condições fixa uma certa tensão aos seus terminais; existem díodos Zener para várias tensões maiores que alguns volts, como 3.3 V ou 5.6 V, e são usados como reguladores e referências de tensão. O Varicap é um díodo que funciona como um condensador variável controlado por tensão. Era utilizado por exemplo em sintonizadores de rádio “digitais”, até começarem a ser usados PLLs. O fotodíodo é um díodo sensível à luz e pode ser usado como detector de luz, para vários comprimentos de onda. É usado por exemplo nos receptores de commandos infra-vermelhos. O Schottky é um díodo em que a queda de tensão é de aproximadamente 0.3 V em vez dos típicos 0.7 V. Isto tem a vantagem de haver um menor desperdício de energia por dissipação térmica no díodo, o que é importante em aplicações em que a eficiência energética e baixo consumo são importantes. É que na verdade, a queda de tensão que os díodos apresentam é uma característica indesejável! Vamos pensar no detector de inversão de tensão de alimentação da Figura 5 mais acima. Se o díodo estiver a ser atravessado por uma corrente de 100 mA, a potência que ele dissipa na forma de calor (logo, desperdício, porque a função do díodo não é dar calor) é dada pela fórmula da potência (em Watts, W), a qual costumamos chamar “lei companheira da lei de Ohm”.

P = V x I
Logo, 0.7 V * 0.1 A = 0.07 W = 70 mW.
Pode parecer pouco, mas muitos aparelhos portáteis consomem pouco mais do que isso!
Se o aparelho estiver a ser alimentado a 3 V, ele estará a consumir (3V - 0.7 V) * 0.1 A = 230 mW, e por aqui se vê que 30% (70/230) da potência retirada das pilhas está a ser desperdiçada no díodo! Se for usado um díodo Schottky em vez do díodo comum, a potência perdida será 0.3 * 0.1 = 30 mW, ou seja, aproximadamente 13% (30/230) do consumo inicial do aparelho, em vez de 30%. Quer dizer que a autonomia das pilhas aumentou 17% só com a troca de um componente. Uma melhoria significativa!

Então e se eu quiser fazer umas experiências, que díodos posso comprar na loja?
Bom, existem díodos muito comuns e baratos que podes comprar com facilidade praticamente em qualquer loja de eletronica; são eles o 1N4148 e o 1N4001 a 1N4007. O 1º é para correntes até perto de 0.2 A e os restantes para correntes até cerca de 1 A.
Penso que já deu para ficar com uma boa ideia do que faz um díodo e de como é utilizado.
Obs: O díodo não causa sempre uma queda de tensão de 0.7 V; esta é apenas uma média, e na verdade até há quem use 0.6 V ou 0.65 V, que é um pouco mais fidedigno a correntes mais baixas. A queda de tensão exata depende da corrente que atravessa o díodo, do seu próprio fabrico e até da temperatura, e pode variar por exemplo entre 0.5 V e 0.9 V para um de baixa corrente (como o 1N4148 )1 e ultrapassar 1 V para um de maior corrente (como a série 1N4001-7). Para certas aplicações mais críticas temos que consultar a folha de dados (datasheet) do díodo que queremos usar, para saber com maior precisão qual é a queda de tensão que ele apresenta quando está a ser atravessado por uma determinada corrente. Portanto, nem tudo é assim tão exato como descrito, mas é uma simplificação que serve. A electrónica é a ciência das aproximações.

Por exemplo no 1N4148 passando uma corrente de 1 mA a queda de tensão é ~0.6 V; já a 10 mA é de ~0.76 V.

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